EU SOU PORTUGUÊS AQUI
Eu sou português
aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento
norte
amante certo da morte
no silêncio da
agressão.
Eu sou português
aqui
mas nascido deste lado
do lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.
Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do
medo.
Sempre a apostar na
viagem
quando os frutos
amargavam
e o luar sabia a azedo.
Eu sou português
aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum
marinheiro.
Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da
aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do
sangue
que empapa a terra que
piso.
Eu sou português
aqui
na brilhantina em que
embrulho,
do alto da minha
esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do
desenrasca.
Nasci
aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a
saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.
Nasci
aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada
no cantar.
Eu sou a festa
inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.
Eu sou português
aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.
Eu sou português aqui
Obras de José Fanha
Sem comentários:
Enviar um comentário