Era
uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai
meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte
pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas
mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como uma baloa.
Quando
ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamundo. A lua
se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou,
engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o
areal. A menina se pôs a andar ao contrário em todas as direções, para lá e
para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
—
Pai!
Então,
se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa
cicatriz se derramava sangue. A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim.
Essa foi uma vez.”
Mia
Couto, in Contos
do Nascer da Terra
Mia Couto
vence Prémio Internacional Neustadt de Literatura 2014
O escritor
moçambicano Mia
Couto, cuja obra em Portugal é publicada pela Caminho,
foi anunciado, na noite de 1 de novembro, como vencedor do prestigiado Prémio
Internacional Neustadt de Literatura 2014, no valor de 50 mil
dólares, promovido, nos Estados Unidos da América, pela Universidade de Oklahoma,
pela família Neustadt e pela revista World Literature Today.
A
lista de nomeados para o prémio da Bienal Internacional de Literatura Neustadt
integrava, além de Mia Couto, o escritor japonês Haruki Murakami, o argentino César Aira,
a vietnamita Duong
Thu Huong, o ucraniano Ilya Kaminsky, o norte-americano Edward P. Jones,
o sul-coreano Chang-rae
Lee, o palestiniano Ghassan Zaqtan e Edouard Maunick, das Ilhas Maurícias.
Um
dos elementos do júri, Gabriella Ghermandi, responsável pela nomeação de Mia Couto,
diz que se trata de «um autor que se dirige não apenas ao seu país mas a todo o
mundo, todos os seres humanos». O diretor da revista World Literature Today
refere que Mia Couto «tem tentado remover o espetro do colonialismo da cultura
moçambicana, procurando revigorar a sua língua. Mestre na prosa em português,
quer afastar esse fardo, palavra a palavra, frase a frase, narrativa a
narrativa, e nesta enorme tarefa tem poucos ou mesmo nenhum escritor que se lhe
assemelha».
O
Prémio Neustadt é atribuído de dois em dois anos e representa o único prémio
internacional no qual romancistas, argumentistas e poetas são considerados de
igual modo. Muitas vezes chamado o “Nobel Americano”, por causa das suas
ligações ao Prémio Nobel da Literatura, o Prémio Neustadt é considerado um dos
mais importantes prémios literários do mundo. Ao longo do seu historial, entre
os seus jurados, nomeados e vencedores, vários, como Pablo Neruda, Gabriel García Márquez,
Orhan Pamuk,
Mo Yan e Alice Munro, entre outros, foram vencedores do Nobel da
Literatura.
Mia
Couto é o 23º vencedor do Neustadt Prize e estará pessoalmente no Neustadt
Festival, na Universidade de Oklahoma, no outono de 2014, para o receber.
Ao
escritor, os nossos mais sinceros parabéns!
In
Leya online
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