Abracei o
corpo da minha mulher, segurei-lhe a mão, a sua cabeça no meu ombro, criei um
pequeno embalo, como para adormecê-la, ou como se faz a quem chora e queremos
confortar. Vai ficar tudo bem, vai correr tudo bem. O que era impossível, e o
impossível não melhora, não se corrige. Estávamos encostados à parede, sobre o
cortinado, como fazíamos na juventude para os beijos e para as partilhas tolas
de enamorados. Estávamos escondidos de todos, eu e a minha mulher morta que não
me diria mais nada, por mais insistente que fosse o meu desespero, a minha
necessidade de respirar através dos seus olhos, a minha necessidade vital de
respirar através do seu sorriso. Eu e a minha mulher morta que se demitia de
continuar a justificar-me a vida e que, abraçando-me como podia, entregava-me
tudo de uma só vez. E eu, incrível, deixava tudo de uma só vez ao cuidado
nenhum do medo e recomeçava a gritar.
Com a
morte, também o amor devia acabar. Ato contínuo, o nosso coração devia
esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou
de existir.”
Valter Hugo
Mãe, in “A máquina de fazer espanhóis”
Sem comentários:
Enviar um comentário