Ode à bicicleta
Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Pedalo nas palavras
atravesso as cidades
bato às portas das casas
e vêm homens espantados
ouvir o meu recado ouvir
minha canção.
Na minha bicicleta de recados
eu vou pelos caminhos.
Vem gente para a rua a
ver a novidade
como se fosse a chegada
do João que foi à Índia
e era o moço mais galante
que havia nas redondezas.
Eu não sou o João que foi
à Índia
mas trago todos os
soldados que partiram
e as cartas que não
escreveram
e as saudades que tiveram
na minha bicicleta de
recados
atravessando a madrugada
dos poemas.
Desde o Minho ao Algarve
eu vou pelos caminhos.
E vêm homens perguntar se
houve milagre
perguntam pela chuva que
já tarda
perguntam pelos filhos
que foram à guerra
perguntam pelo sol
perguntam pela vida
e vêm homens espantados
às janelas
ouvir o meu recado ouvir
minha canção.
Porque eu trago notícias de todos os filhos
eu trago a chuva e o sol
e a promessa dos trigos
e um cesto carregado de
vindima
eu trago a vida
na minha bicicleta de
recados
atravessando a madrugada
dos poemas.
Manuel Alegre
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