terça-feira, 14 de agosto de 2012

PACIÊNCIA



Faz-se o amor como se fosse um castelo
de cartas. Copas, paus, ouros, espadas. Um equilíbrio
difícil. Negros sobre vermelhos, damas e valetes
no meio de reis e ases. Ponho uma carta
sobre a carta que tu puseste; e tu acrescentas
a essa ainda outra. Até onde? Nesse jogo, não
convém respirar com muita força; evitemos
os gestos bruscos, os que deitam tudo abaixo,
de súbito; e espreitemos o olhar de cada um de nós,
quando nos preparamos para fazer subir o castelo.

Assim, ponho a minha emoção sobre o sentimento
que me confessas. Não precisas de mo dizer;
basta que eu saiba que os teus dedos brincam
entre corações e manilhas; que a tua voz treme
quando o edifício se parece com um labirinto;
e que ambos descobrimos uma saída, para um lado ou outro
da toalha. Na mesa, com efeito, podem já
nascer as flores, cantar as aves que brotam
de uma ilusão de primavera, ou morrerem frases
e borboletas que esvoaçam numa corrente de ar.

Por que abriste a janela? Agoira que tudo caiu,
sem que um nem o outro tivéssemos feito alguma coisa
para isso, de quem é a culpa? Então,
aproveitemos este silêncio breve, enquanto a tarde
não chega, e recomecemos o jogo.

Nuno Júdice, A Fonte da Vida

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sobre o vaguear pelo matagal a apanhar violetas

Isto não tem graça nenhuma e eu recomendaria qualquer outro tipo de atividade. Visitai antes um amigo doente. Se isso for impossível, vejam um espetáculo ou tomem um banho quente e leiam. Qualquer coisa é melhor do que ir para um matagal com um daqueles sorrisos vazios e amontoar flores num cesto. Quando derdes por vós estareis a saltaricar de um lado para o outro. Afinal, o que é que se vai fazer com as violetas depois de as ter apanhado? «Ora, pô-las numa jarra», dizeis. Que resposta tão estúpida. Hoje em dia podeis telefonar à florista e encomendá-las. Deixai que seja ela a vaguear pelo matagal, é para isso que se lhe paga. Assim, se houver trovoada ou se por acaso aparecer um enxame de abelhas, a florista é que será empurrada para o monte Sinai.
A propósito, não penseis, por causa disto, que sou insensível às alegrias da natureza, embora tenha chegado à conclusão de que como puro divertimento não há nada melhor do que passar quarenta e oito horas na Cidade de Borracha e Espuma em meados de Agosto. Mas isso é outra história.

WOODY ALLEN

Sem Penas