sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

NAU CATRINETA

Lenda recolhida  por Almeida Garrett, a qual conta a viagem da nau portuguesa que, em 1565, transportava Jorge de Albuquerque Coelho para Lisboa.
Há quem diga que esta história foi verídica e era contada pelo próprio Jorge A. Coelho, quando já idoso, se sentava frente ao mar, rodeado de amigos.

ILUSTRAÇÕES - 6ºA






 Lá vem a nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.
Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.
Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija
Que a não puderam tragar.
Deitaram sorte à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.
Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.
"Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal; 
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar".
 Acima, acima gajeiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal
"Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terra de Espanha,
Areias de Portugal
Mais enxergo três meninas
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar".
--Todas três são minhas filhas, 
 Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.
"A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar".
-- Dar-te-ei tanto dinheiro,
Que o não possas contar.
"Não quero o vosso dinheiro,
pois vos custou a ganhar!
-- Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.
"Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar".
--Dar-te-ei a nau Catrineta
Para nela navegar.
"Não quero a nau Catrineta
Que a não sei governar".
Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?
"Capitão, quero a tua alma
Para comigo a levar".
Renego de ti, demónio,
Que me estavas a atentar!
A minha alma é só de Deus,
O corpo dou eu ao mar.
Tomou-o um anjo nos braços,
Não o deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a nau Catrineta
Estava em terra a varar.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015



Os avós
Para mim, os avós são como os nossos segundos pais que gostam de estar connosco, acarinham-nos e amam-nos de forma doce e afetuosa. As avós são como deusas, sempre prontas para ajudar no que for preciso. Os avôs são como sábios, pessoas com quem gostamos de estar e conversar e sabem muitas coisas para nos ensinar.
Eu adoro os meus avós. Eles fazem tanto por mim! Agora, no futuro, serei eu a retribuir-lhes. As minhas avós é que se dão ao trabalho de cozinhar quando lá vou e não me posso queixar. A comida é do melhor. Os meus avôs gostam muito da agricultura, têm uma horta e pomares enormes cheios de laranjas e legumes fresquinhos. Quando era mais novo, lembro-me de os meus avôs me perguntarem se eu queria ir passear com eles. Sempre que dizia que sim punham um grande sorriso no rosto, parecia que adoravam que o neto os acompanhasse.
Concluindo, acho que os avós fazem muita falta na nossa vida e nem consigo imaginar a minha vida sem eles. Sei que um dia a sua hora vai chegar, mas até lá ainda falta. Por isso vou aproveitar ao máximo.


                                                                                Diogo Soares, nº8, 7ºC

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015


          
          A avó é aquela que nos ensina receitas de comida, a que nos obriga a ver novelas intermináveis, é aquela que, por qualquer coisa que façamos, nos diz  para termos cuidado. A avó é uma segunda  mãe. (Que nos dá doces quando os nossos pais dizem não).
Já o avô... Ai!...O avô! O avô é o brincalhão, o que fica sentado na mesa à espera da comida, o que adormece no sofá a ver televisão, o que vê comigo as séries da Disney só para se divertir e o que faz uma maluqueira quando o "Sporting" marca. O avô é um segundo  pai.
Eu tenho duas avós, mas faço coisas completamente diferentes com uma e com outra. A minha primeira avó vive em Faro e passo menos tempo com ela. Quando acabamos de comer, ajudo-a a arrumar as coisas na cozinha e depois "obrigo-a" a jogar ao jogo da glória. Não sei se ela gosta do jogo, mas nunca disse não. Depois, vemos televisão... (muitas novelas) e eu fico sempre  a perguntar pela história "dessa" tal coisa que ela adora ver. A minha outra avó mora mesmo pertinho de mim. (Começamos por ligar o aquecedor e enrolamo-nos nas mantas) . Depois ligamos a televisão e deitamo-nos no sofá. Por fim, começamos a ver o "MasterChef", o programa que adoramos. Quando acaba, jantamos e eu limpo o prato porque adoro a sua comida! Eu adoro as minhas avós! E sem elas a minha vida não seria a mesma coisa!

Beatriz Costa, nº 3,  7.ºC




Para mim, uma avó é como se fosse uma segunda mãe.
Normalmente, quando os pais vão jantar ou almoçar fora, a avó deve tratar de nós, alimentar-nos e aconchegar-nos para não termos frio.
Uma avó também deve ajudar-nos a compreender as coisas do dia a dia, os perigos que existem por aí, por exemplo, as doenças.
Uma avó deve ser responsável, simpática e divertida e avisar-nos quando as coisas correm mal.
Eu e os meus avós mantemos uma boa relação. Somos bons amigos e eu gosto muito deles.
Os meus avós são boas pessoas. Por exemplo, a minha avó dá-me o lanche todos os dias da semana. Às vezes, dá-me o jantar e às quartas-feiras dá-me o almoço quando pode.
O meu avô é divertido, brincalhão e tem boa memória. Ele, às vezes, também nos dá o lanche.
Como disse na primeira frase, a avó é como se fosse uma segunda mãe e o avô é como se fosse um segundo pai. Os meus avós são assim e é por isso que eu os adoro.
Adoro tanto os avós paternos como os maternos, mas dou-me mais com os avós da parte do pai.


                                                                  Renato Rodrigues, Nº24, 7ºC

SEMANA DA LEITURA 2015






Mais fundamental que o amor é a Liberdade! A liberdade é o alimento do Amor!
O Amor é pássaro que não vive em gaiola! Basta engaiolá-lo para que ele morra!
Ter ciúme é reconhecer a liberdade do amor!
O desejo de liberdade é mais forte que a Paixão!
Pássaro eu não amaria quem me cortasse as Asas!
Barco eu não amaria quem me amarrasse no Cais!

Rubem Alves

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

BELA INFANTA

                                                           
                                                            Estava a bela infanta
                                         No seu jardim assentada,
                                         Com o pente d’oiro fino
                                         Seus cabelos penteava.
                                         Deitou os olhos ao mar
                                         Viu vir uma nobre armada;
                                         Capitão que nela vinha;
                                         Muito bem que a governava.
- “Dize-me, ó capitão
Dessa tua nobre armada.
Se encontraste meu marido
Na terra que Deus pisava.”
- “Anda tanto cavaleiro
Naquela terra sagrada
                                        Dize-me tu, ó senhora,
                                       As senhas que ele levava”
- “Levava cavalo branco,
Selim de prata doirada;
Na ponta da sua lança
A cruz de Cristo levava.”
- “Pelos sinais que me deste
Lá o vi numa estacada
Morrer morte de valente:
Em sua morte vingava.”
- “Ai triste de mim, viúva,
Ai triste de mim, coitada !
De três filhinhas que tenho,
Sem nenhuma ser casada !...”
- “Que darias tu, senhora,
A quem no trouxera aqui ?”
- “Dera-lhe oiro e prata fina,
 Quanta riqueza há por i.
- “Não quero oiro nem prata,
Não vos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui ?”
- “De três moinhos que tenho,
Todos três tos dera a ti;
Um mói o cravo e a canela,
Outro mói do gerzeli:
Rica farinha que fazem !
Tomara-os el-rei p’ra si.”
- “Os teus moinhos não quero,
Não nos quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem to trouxera aqui ?”
- “As telhas do meu telhado
Que são de oiro e marfim.”
- “As telhas do teu telhado
Não nas quero para mi:
Que darias mais, senhora,
A quem no trouxera aqui ?”
- “De três filhas que eu tenho,
Todas três te dera a ti:
Uma para te calçar,
Outra para te vestir,
A mais formosa de todas
Para contigo dormir.”
- “As tuas filhas, infanta,
Não são damas para mi:
Dá-me outra coisa, senhora,
Se queres que o traga aqui.”
- “Não tenho mais que te dar,
Nem tu mais que me pedir.
- “Tudo, não, senhora minha,
Que inda te não deste a ti.”
- “Cavaleiro que tal pede,
Que tão vilão é de si,
Por meus vilões arrastado
O farei andar aí
Ao rabo do meu cavalo.
À volta do meu jardim.
Vassalos, os meus vassalos,
Acudi-me agora aqui !”
- “Este anel de sete pedras
Que eu contigo reparti...
Que é dela a outra metade ?
Pois a minha, vê-la aí !“
- “Tantos anos que chorei,
Tantos sustos que tremi !...
Deus te perdoe, marido,
                                                         Que me ias matando aqui.






A Bela Infanta, uma das mais belas narrativas poéticas da tradição oral portuguesa, surgiu no século XVI, tempo das grandes navegações, quando os homens deixavam suas mulheres e se lançavam ao mar sem certeza de retorno. Esta versão foi recolhida na Beira Baixa e embelezada por Almeida Garret, quem pela primeira vez em Portugal iniciou o trabalho de recolha, estudo e publicação da nossa poesia tradicional oral, cujo resultado deu origem a três volumes intitulados Romanceiro (1851). Bela Infanta «é sem questão a mais geralmente sabida e cantada de nossas xácaras populares» afirma Garret.
            Neste romance, o tema principal é o regresso do marido que a infanta espera sentada no seu jardim. O tempo da ação é indeterminado, pois as marcas temporais não são precisas. Tudo isto foi objeto de estudo nas turmas do 6º ano. Aqui ficam algumas ilustrações dos alunos.



sábado, 21 de fevereiro de 2015



Para comemorar a Semana da Seguranet, os alunos do Curso de Educação e Formação de Informática, acompanhados pela Professora Ana Reis, vieram à biblioteca da escola nº1 para dinamizarem uma sessão de sensibilização subordinada ao tema: Internet Segura.
Dirigida aos alunos do 2º ano A, B e C, a sessão consistiu na apresentação de um vídeo elaborado pelos alunos e no debate de ideias acerca de comportamentos de risco que devemos evitar quando nos ligamos à net e navegamos nas redes sociais.

No final, cada aluno recebeu um folheto informativo para entregar aos respetivos encarregados de educação.

AFASTA A GRIPE


Na primeira semana do mês de fevereiro, na biblioteca da escola nº1 recebemos o frio com atividades subordinadas ao tema: Afasta a Gripe !!!
Os alunos puderam ver uma exposição de livros que abordam temas sobre a saúde, escutaram a história O Nuno escapa à gripe A, da Biblioteca Digital do PNL e debatemos acerca dos comportamentos preventivos que todos devemos ter.
A ação de sensibilização foi complementada pela ilustração de desenhos que reforçam comportamentos como: utilizarmos um lenço de papel quando tossimos ou espirramos; lavarmos as mãos frequentemente e termos uma alimentação rica em frutas e vegetais.
Os alunos do 2º A aproveitaram os desenhos para fazerem um painel onde para além das recomendações apresentam sugestões para quem não conseguiu escapar:



ORELHAS DE BORBOLETA



- A Mara é orelhuda!
- Mãe, tu achas que eu sou orelhuda?
- Não, filha. Tens é orelhas de borboleta.
- E como são as orelhas de borboleta?
- São orelhas que revoluteiam na cabeça e pintam as coisas feias de mil cores.

No passado dia 29 de janeiro, os alunos do Infantário O Eco vieram à biblioteca da escola nº1 para escutarem a história “Orelhas de Borboleta”, da autoria de Luísa Aguilar e com ilustrações do André Neves, editada pela Kalandraka.

Depois de ouvirmos a história e de conversarmos sobre o que dizemos aos nossos colegas e amigos acerca da sua aparência física, percebemos, tal como a Mara, que cada um é como é e que ninguém é absolutamente perfeito. No final, cada menino/a fez a sua borboleta com tintas de diferentes cores, num exercício de simetrias muito coloridas.

                Adivinha quem vem contar


No mês de janeiro realizaram-se quatro sessões do projeto Adivinha quem vem contar…
Nesse âmbito, recebemos na biblioteca da escola nº1 alguns pais, irmãos, avós e amigos dos alunos das turmas do 1º B e do 1º C, e das turmas A e B do 2º ano. Foram sessões em que cada convidado veio contar uma história, dizer lengalengas e adivinhas para os alunos de cada uma das turmas. Porque gostamos muito de ter a família e os amigos na nossa biblioteca, agradecemos e aguardamos a vossa presença com mais histórias e saberes da tradição oral.




quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

NOVIDADES EDITORIAIS


Quem quer viajar até ao Planeta Azul?
Não precisa de embarcar num foguetão, de vestir um fato espacial, de se preparar para encontros imprevisíveis com seres e paisagens distantes.
O Planeta Azul está bem perto, debaixo dos nossos pés: é a Terra, tão conhecida e tão ignorada, sempre capaz de nos fazer refletir e deslumbrar.

A coleção Educação Literária reúne obras de referência da literatura portuguesa e universal indicadas pelas Metas Curriculares de Português e pelo Plano Nacional de Leitura.




E se um dragão entrasse, de imprevisto, na tua casa, na tua escola, na tua vida? Como lidar com o diferente, com o medo, com o inesperado?
Esta é uma história divertida e comovente que também te fará pensar.

A coleção Educação Literária reúne obras de referência da literatura portuguesa e universal indicadas pelas Metas Curriculares de Português e pelo Plano Nacional de Leitura.



A primeira história publicada por Oscar Wilde leva-nos a um castelo assombrado, adquirido por uma abastada família americana que não acredita no sobrenatural, obrigando o pobre fantasma residente a encetar numa série de estratagemas para assustar os seus novos hóspedes. Nunca o fantástico, o terror e a comédia se combinaram numa trama tão genial, que nos diverte e nos leva a refletir sobre os valores mais elevados da vida.

Este livro é também recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 9.º ano de escolaridade.




Baleia! baleia!... Larga! larga!... Lá vai a arça!... Trancou a baleia! trancou a baleia!
Embarca na vida árdua dos pescadores dos Açores no início do século XX, na grandiosidade de um dos momentos mais importantes da comunidade insular - a pesca da baleia - e na beleza serena do oceano que banha as ilhas e lhes dá a vida. Deixa que Raul Brandão te revele as imagens; capta os sons; sente os sabores; e inala os aromas do arquipélago.

Este livro é também recomendado pelo Plano Nacional de Leitura para o 7.º ano de escolaridade.
A Coleção Educação Literária reúne obras de referência da literatura portuguesa e universal indicadas pelas Metas Curriculares de Português e pelo Plano Nacional de Leitura.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015



o silêncio solar das manhãs
e a magia cantada da nossa felicidade,
recordas mãe o riso aberto
das crianças na paz do nosso quintal?
a luz filtrada pelos pessegueiros
e a luz maior e muito mais limpa do olhar,
recordas mãe a segurança
calada dos nossos abraços distantes?,
as minhas irmãs meninas, o
meu pai, o teu rosto pequeno, menina,
recordas mãe os domingos
com gasosa e uma galinha depenada?,
a tua cadela sem raça a guardar-nos
e a dormir quieta aos nossos pés,
recordas mãe como morreu
como acabaram os domingos e as manhãs
para nunca mais ser domingo
ou manhã no silêncio do nosso quintal?

José Luís Peixoto
"A Criança em Ruínas"



Este foi o ano em que nasceste
E prolonga-se este ano os seus
Meses muito grandes por ti
Este foi o ano que te fez nascer
E chegaste no seu leito como
Um barco carregado de rosas
Um barco sem leme sem remos
Que chega na força serena do rio
E na força de um dia demasiado
Forte na vida na minha vida
Na vida da tua mãe que te
Trouxe como um barco perfumado
De pétalas a descer um rio
Uma vida demasiado forte e
A nascer e a chegar no dia
Exato deste ano em que nasceste
Para nós para dias e anos
De auroras e noites distantes
Dias longos a nascerem como
O teu sorriso de criança a
Ensinar-nos o que esquecemos ao
Crescer a ensinar-nos a sorrir
De novo na vida na tua
Vida que começou e se estende
Neste ano sem noite sem foz
Em que chegaste como um barco
De rosas na primeira luz da
Madrugada

José Luís Peixoto, "A Criança em Ruínas"



No tempo em que éramos felizes não chovia.
Levantávamo-nos juntos, abraçados ao sol.
As manhãs eram um céu infinito. O nosso amor
Era as manhãs. No tempo em que éramos felizes
O horizonte tocava-se com a ponta dos dedos.
As marés traziam o fim da tarde e não víamos
Mais do que o olhar um do outro. Brincávamos
E éramos crianças felizes. Às vezes ainda
Te espero como te esperava quando chegavas
Com o uniforme lindo da tua inocência. Há muito
Tempo que te espero. Há muito tempo que não vens.

José Luís Peixoto, "A Criança em Ruínas"




entre mim e o meu silêncio há gritos de cores estrondosas
e magias recortadas dos sonhos que acontecem naturalmente.
eu sou cama onde me deito, todas as noites diferente,
eu sou o sorriso estridente dos pássaros no céu todo,
eu sou o mar, o oceano velho a abrir a boca numa
gruta que assusta as crianças e os homens que conhecem
o mundo. eu sou o que não devia e rio, rio,
rio, porque sou puro, porque sou um pouco da alegria,
porque mil mãos e dez mil dedos me percorrem o corpo
e me beijam. entre mim e o meu silêncio há uma
confusão de equívocos que não entendo e não admito.
sou arrogante, porque sou do país em que inventaram
a arrogância. sou miserável. que sei eu? sou um viajante
com destino traçado, como o fumo deste cigarro que
desaparece indeciso e já esqueceu de onde veio. e rio,
rio, rio, perdido e desalmado, de dentes sujos e quase
doente, porque minha é esta esperança e esta vontade
de nascer cada manhã, em cada rosto, em cada
fósforo aceso, em cada estrela. rio, rio, rio, porque meu
é o amor e o luto e a fome e todas as coisas
que fazem esta vida que não entendo e persigo.
eu sou um homem vivo a sentir cada pedra,
eu sou um homem vivo a sentir cada montanha,
eu sou um homem vivo a sentir cada grão de areia.
desordenadamente, eu sou alguém que é eu sem o saber,
entre mim e o meu silêncio há um desentendimento
esculpido nas flores e nas nuvens, rio, rio, rio,
eu sou a vida e o sol a iluminar-me.

José Luís Peixoto,
in A Criança em Ruínas