terça-feira, 31 de dezembro de 2013


CORTAR O TEMPO

Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.

Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 21 de dezembro de 2013


Velho, velho, velho
Chegou o Inverno.

Vem de sobretudo,
Vem de cachecol,

O chão onde passa
Parece um lençol.

Esqueceu as luvas
Perto do fogão:

Quando as procurou,
Roubara-as um cão.

Com medo do frio
Encosta-se a nós:

Dai-lhe café quente
Senão perde a voz.

Velho, velho, velho.
Chegou o Inverno.

Eugénio de Andrade (1923 –2005)  in Aquela nuvem e outras 


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013



Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.

 Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.

“Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo”. Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Polos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?

 A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.


Fernando Pessoa

Na passada semana, os alunos das turmas A e B do 1º ano, da Escola da Estação, foram à biblioteca para ouvir contar a história Avós, de Chema Heras e Rosa Osuna. Depois de soletrarem o título, como quem dança em passo lento, seguiram ao ritmo das palavras e, por fim, apressaram-se para “ir bailar”.


A turma B do 4º ano esteve na biblioteca da Escola da Estação para ouvir a história Laura e o coração das coisas, de Lorenzo Silva e Jordi Sabat, editada pela D. Quixote. Com a Laura aprenderam a olhar as coisas que nos rodeiam em casa, na escola, nas ruas, as que temos, as que queremos, aquelas de que quase nos esquecemos, como objetos que devem ser valorizados e respeitados. Nesta época natalícia há sempre alguém que pode escutar o coração dos livros, dos jogos, das bonecas e bonecos que já não têm vida nas prateleiras e armários lá de casa. Uma história que nos convida a usufruir do que temos e a partilhar com aqueles que mais precisam.

Foi proposta uma atividade de escrita aos alunos do 9ºC e D. Após terem ouvido uma notícia sobre um sem-abrigo que foi apanhado a roubar chocolates no valor de 14 euros e 34 cêntimos e uma idosa que tentou roubar um creme de beleza no valor de 3 euros e 99 cêntimos e tendo sido vítimas de uma justiça demasiado pesada que envolve custos avultados ao estado, que desafio foi lançado? Teriam de assumir o papel de um dos arguidos da notícia que tinham ouvido e redigir uma carta dirigida ao juiz encarregue do processo a pedir a absolvição da sua pena, apresentando, para isso, argumentos convincentes. Eis a carta da Maria Beatriz Carmo.



Manuela da Silva Monteiro
Rua Tomás Almeida lote 3, 2.º andar    Tribunal de S.Pedro, Lisboa, 21/11/2013

Assunto: Pedido de Absolvição

Exmo. Senhor Juiz do Tribunal de Lisboa

 Na passada quinta-feira, fui apanhada a roubar um creme antirrugas no Lidl cá da cidade.
Sei que roubar é um ato condenável, mas na altura não sei bem o que me passou pela cabeça.
Toda a minha vida gostei de cuidar de mim mesma, mas nasci numa família com fracas condições económicas. Então nunca pude demonstrar os meus dotes com a estética.
Consegui um emprego num cabeleireiro, sendo pouco depois despedida. Fiquei a viver à base do que o banco alimentar me fornecia e os meus dias eram passados na fila da segurança social. A crise veio a agravar toda a situação e agora só resta esta pequena e pobre velhota de setenta e três anos, sem filhos ou netos que a possam sustentar.
Não me consigo lembrar da razão de ter ido àquele supermercado. Eu, que não tenho poder de compra, que não tenho senão uns meros trocos na minha carteira. Talvez quisesse relembrar todo aquele ambiente agitado de pessoas a entrarem e a saírem, do barulho repetitivo das máquinas e dos carrinhos que desfilam pelos corredores estreitos dos expositores.
Avancei para a zona dos cosméticos e regalei os meus olhos naquela beleza. Como eu desejava levar todos aqueles produtos para casa!... Infelizmente, eu sabia que aquilo não seria possível e, talvez por isso, eu tenha pegado naquele antirrugas e ao recontar as moedas que estavam na minha carteira e que não chegavam para o pagar, o tenha enrolado no meu casaco e tentado fugir com ele.
Era impossível ter resistido. Provavelmente iria ficar de consciência pesada e devolvê-lo depois de o experimentar, porque eu não sou uma ladra e jamais permitirei que alguém me trate como tal.
Eu nunca na vida roubei nada a ninguém e o furto que cometi não tem razão nenhuma de ir a tribunal. Afinal, era só um creme barato de marca branca e as despesas que o estado irá ter não compensariam, pois acabei por devolver o creme sem sequer chegar a utilizá-lo.
Penso que, em vez de perdermos tempo a discutir o caso de uma idosa que teve uma recaída e roubou um antirrugas do mais barato que há, o senhor juiz poderia estar a ocupar-se em tentar prender verdadeiros criminosos que andam por aí à solta.
Sei que cometi um crime e devo ser punida por tal ato. Então deixo-lhe o pedido de pensar na possibilidade de me colocar a prestar serviços comunitários.

Na expectativa de uma resposta favorável ao meu pedido, subscrevo-me, com os melhores cumprimentos.                                                                                                                               
                                                                                                        Manuela Monteiro

Maria Beatriz Carmo, 9ºD

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013




Na BE da Escola da Estação houve conversas à volta dos Direitos Humanos

Os alunos da turma B do 4º ano vieram à biblioteca da Escola da Estação para visualizarem um powerpoint alusivo à comemoração do Dia Mundial da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que se comemora no dia 10 de dezembro.
Após a leitura de alguns princípios e da observação das imagens que ilustravam o texto, os alunos conversaram acerca dos Direitos Humanos consagrados na Declaração e estabeleceram as diferenças entre a teoria e a realidade:
            O que significa nascer livre?
Todos podemos expressar livremente as nossas opiniões?
Atualmente, ninguém é mantido em escravatura?
Todas as pessoas têm condições para alimentar a sua família?
Todas as pessoas têm direito à educação. Que diferenças haverá entre estudar em países como Portugal, Brasil ou Etiópia?

A conversa desenrolou-se em torno destas questões e todos expressaram as suas opiniões livremente. Por último, como também está consagrado que cada indivíduo tem deveres para com a comunidade, todos levaram consigo uma questão:
O que posso eu fazer para que os Direitos Humanos sejam comemorados todos os dias? 

sábado, 7 de dezembro de 2013


Deveria ser assim com aqueles que pensam que nos servem...haveria menos prepotência e a dignidade e o respeito a que qualquer ser humano tem direito far-nos-ia pensar que vale a pena viver.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Pitada de Provérbios

Na passada 3ª feira, 6 de novembro, um grupo de alunos da Escola da Estação esteve presente no VI Colóquio Interdisciplinar de Provérbios, promovido pela Associação Internacional de Paremiologia AIP/IAP, com a finalidade de apresentarem o seu livro artesanal Pitada de Provérbios.

Este livro é o resultado de um trabalho coletivo desenvolvido pela biblioteca escolar e pelas professoras, os alunos e as suas famílias, em cooperação com a AIP/IAP.

Após a divulgação do trabalho realizado, os alunos fizeram uma representação à volta de alguns dos provérbios e das receitas que compõem o livro. Todos os presentes aplaudiram os talentosos escritores - cozinheiros.

A todos nós resta-nos agradecer à AIP/IAP o apoio que nos foi prestando no processo de realização deste trabalho e a oportunidade de apresentá-lo a toda a comunidade.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013


O DINHEIRO

 O dinheiro é tão bonito,
 Tão bonito, o maganão!
 Tem tanta graça, o maldito,
 Tem tanto chiste, o ladrão!
 O falar, fala de um modo...
 Todo ele, aquele todo...
 E elas acham-no tão guapo!
 Velhinha ou moça que veja,
 Por mais esquiva que seja,
                             Tlim!
                             Papo.

 E a cegueira da justiça
 Como ele a tira num ai!
 Sem lhe tocar com a pinça;
 E só dizer-lhe: «Aí vai...»
Operação melindrosa,
 Que não é lá qualquer coisa;
 Catarata, tome conta!
 Pois não faz mais do que isto,
 Diz-me um juiz que o tem visto:
                             Tlim!

                             Pronta.

(...)

João de Deus, in 'Campo de Flores'

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013


O jornalista da RTP António Mateus, autor do livro “Mandela – O rebelde exemplar”, disse à Lusa que pretendeu escrever a história de “um ser humano de referência” dirigida aos leitores mais jovens.

“O livro é uma viagem a um líder que se despojou de si mesmo, dos seus próprios defeitos para servir um povo e tornou-se numa figura de referência para nós todos”, disse à Lusa António Mateus, acrescentando que se trata de um texto que pretende captar os leitores mais jovens.

“Para aproximar este livro de um público mais novo, optámos por usar a ilustração em vez da fotografia. A editora convidou o Nuno Tuna para transformar em ilustrações aquelas que eu considerei as vinte fotografias de maior referência na história de vida de Nelson Mandela”, explicou o autor, que viveu 10 anos na África do Sul como correspondente da Agência Lusa, tendo acompanhado de perto o processo que levou ao fim do apartheid.

“Mandela – Rebelde exemplar” relata a vida do líder histórico da África do Sul desde criança, incluindo as relações familiares, os estudos, a formação profissional como advogado e o primeiro casamento além dos primeiros passos no sentido do envolvimento político na causa do Congresso Nacional Africano (ANC) contra o regime racista que segregava a maior parte da população do país e que o levou à prisão durante 27 anos.

In JORNAL I

domingo, 1 de dezembro de 2013


ESCREVO COMO QUEM QUER SER ESCRITO


 escrevo como quem quer ser escrito

 uma árvore ou uma pena no centro da frase
 um espelho branco onde observo a palavra

 e dos seus troncos brotam folhas, letras
 inundações de verde no lago azul do céu
 que caem, voando, asas de papel

 como tu, também eu sussurro
 lentas sílabas à leve melancolia que nos abraça

Jorge Reis-Sá, in "A Palavra no Cimo das Águas"



sexta-feira, 29 de novembro de 2013


UM POEMA

Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...

Miguel Torga, in Diário XIII

quarta-feira, 27 de novembro de 2013


NOVIDADES EDITORIAIS

"Pensageiro Frequente", de Mia Couto
«A partida de futebol é sempre mais que o resultado. O mais belo num jogo é o que não se converte em pontos de classificação, é aquilo que escapa ao relatador da rádio, são os suspiros e os silêncios, os olhares e os gestos mudos de quem joga dentro e fora das quatro linhas.» Um reencontro com a escrita de Mia Couto num livro que se abre como uma aguarela das terras e das gentes de Moçambique.




"Chocolate", várias autoras 
Um livro escrito por seis autoras - Alice Vieira, Catarina Fonseca, Isabel Zambujal, Leonor Xavier, Maria do Rosário Pedreira e Rita Ferro - com seis histórias diferentes, seis receitas e uma paixão em comum: o chocolate.


"O Tempo das Crianças",
vários autores

Para apoiarem a organização SAVE THE CHILDREN no seu trabalho para acabar com a violência contra as crianças, grandes autores de todo o mundo juntaram-se para criar uma fascinante antologia de contos sobre a infância. Ficções ou memórias pessoais, felizes ou amargas, exploram e celebram a infância: o abuso e a rejeição, a solidão e o amor, as alegrias da amizade e da descoberta, e os primeiros sentimentos confusos do amor adolescente.
Selecionada e prefaciada pelo escritor Richard Zimler e por Raša Sekulović , tradutor e ativista dos direitos das crianças, esta antologia inclui contos originais de Margaret Atwood, André Brink, Dulce Maria Cardoso, Mia Couto, Junot Díaz, Nadine Gordimer, Elizabeth Hay, Lídia Jorge, Etgar Keret, Alberto Manguel, Ondjaki, Judith Ravenscroft, Ali Smith, Katherine Vaz, Patricia Volk e Richard Zimler.


segunda-feira, 25 de novembro de 2013

 25 DE NOVEMBRO, DIA INTERNACIONAL PARA A ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES


domingo, 24 de novembro de 2013

O EMPREGO


Um pequeno filme de animação que nos obriga a pensar sobre a sociedade em que vivemos...

sexta-feira, 22 de novembro de 2013


O AUTORRETRATO

 No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
 às vezes me pinto árvore...
 às vezes me pinto coisas
 de que nem há mais lembrança...
 ou coisas que não existem
 mas que um dia existirão...
 e, desta lida, em que busco
 - pouco a pouco -
 minha eterna semelhança,
 no final, que restará?
 Um desenho de criança...
 Terminado por um louco!

Mário Quintana, Apontamentos de História Sobrenatural (1976)

quarta-feira, 20 de novembro de 2013



AS MEMÓRIAS PROCRIAM COMO SE FOSSEM PESSOAS VIVAS

 Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não sabemos aonde elas nos podem levar. Hibernam, por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidos. Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor do sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar. Porque as memórias procriam como se fossem pessoas vivas.


Agustina Bessa-Luís, in 'Antes do Degelo'

sábado, 16 de novembro de 2013


Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como uma baloa.
Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamundo. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário em todas as direções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
— Pai!
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue. A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim. Essa foi uma vez.”


Mia Couto, in Contos do Nascer da Terra




Mia Couto vence Prémio Internacional Neustadt de Literatura 2014

O escritor moçambicano Mia Couto, cuja obra em Portugal é publicada pela Caminho, foi anunciado, na noite de 1 de novembro, como vencedor do prestigiado Prémio Internacional Neustadt de Literatura 2014, no valor de 50 mil dólares, promovido, nos Estados Unidos da América, pela Universidade de Oklahoma, pela família Neustadt e pela revista World Literature Today.
A lista de nomeados para o prémio da Bienal Internacional de Literatura Neustadt integrava, além de Mia Couto, o escritor japonês Haruki Murakami, o argentino César Aira, a vietnamita Duong Thu Huong, o ucraniano Ilya Kaminsky, o norte-americano Edward P. Jones, o sul-coreano Chang-rae Lee, o palestiniano Ghassan Zaqtan e Edouard Maunick, das Ilhas Maurícias.
Um dos elementos do júri, Gabriella Ghermandi, responsável pela nomeação de Mia Couto, diz que se trata de «um autor que se dirige não apenas ao seu país mas a todo o mundo, todos os seres humanos». O diretor da revista World Literature Today refere que Mia Couto «tem tentado remover o espetro do colonialismo da cultura moçambicana, procurando revigorar a sua língua. Mestre na prosa em português, quer afastar esse fardo, palavra a palavra, frase a frase, narrativa a narrativa, e nesta enorme tarefa tem poucos ou mesmo nenhum escritor que se lhe assemelha».
O Prémio Neustadt é atribuído de dois em dois anos e representa o único prémio internacional no qual romancistas, argumentistas e poetas são considerados de igual modo. Muitas vezes chamado o “Nobel Americano”, por causa das suas ligações ao Prémio Nobel da Literatura, o Prémio Neustadt é considerado um dos mais importantes prémios literários do mundo. Ao longo do seu historial, entre os seus jurados, nomeados e vencedores, vários, como Pablo Neruda, Gabriel García Márquez, Orhan Pamuk, Mo Yan e Alice Munro, entre outros, foram vencedores do Nobel da Literatura.
Mia Couto é o 23º vencedor do Neustadt Prize e estará pessoalmente no Neustadt Festival, na Universidade de Oklahoma, no outono de 2014, para o receber.

Ao escritor, os nossos mais sinceros parabéns!

In Leya online


sexta-feira, 15 de novembro de 2013



Agora as palavras

Obedecem-me agora muito menos
as palavras. A propósito
de nada resmungam, não fazem
caso do que lhes digo,
não respeitam a minha idade.
Provavelmente fartaram-se da rédea,
não me perdoam
a mão rigorosa, a indiferença
pelo fogo-de-artifício.
Eu gosto delas, nunca tive outra
paixão, e elas durante muitos anos
também gostaram de mim: dançavam
à minha roda quando as encontrava.
Com elas fazia o lume,
sustentava os meus dias, mas agora
estão ariscas, escapam-se por entre
as mãos, arreganham os dentes
se tento retê-las. Ou será que
já só procuro as mais encabritadas?

ANDRADE, Eugénio de, Poesia, Fundação Eugénio de Andrade, 2000

quarta-feira, 13 de novembro de 2013




NÃO À JANELA DA INDIFERENÇA

Já se sabe que não somos um povo alegre (um francês aproveitador de rimas fáceis é que inventou aquela de que «les portugais sont toujours gais»), mas a tristeza de agora, a que Camões, para não ter de procurar novas palavras, talvez chamasse simplesmente «apagada e vil», é a de quem se vê sem horizontes, de quem vai suspeitando que a prosperidade prometida foi um logro e que as aparências dela serão pagas bem caras num futuro que não vem longe. E as alternativas, onde estão, em que consistem? Olhando a cara fingidamente satisfeita dos europeus, julgo não serem previsíveis, tão cedo, alternativas nacionais próprias (torno a dizer: nacionais, não nacionalistas), e que da crise profunda, crise económica, mas também crise ética, em que patinhamos, é que poderão, talvez — contentemo-nos com um talvez —, vir a nascer as necessárias ideias novas, capazes de retomar e integrar a parte melhor de algumas das antigas…

José Saramago, in Cadernos de Lanzarote (1994)



segunda-feira, 11 de novembro de 2013


CONCURSO “ACORDO ORTOGRÁFICO”

Todas as semanas, de segunda-feira a sexta-feira, será lançado um desafio a toda a comunidade escolar: professores, alunos e funcionários, sobre o novo acordo ortográfico. A resposta a cada desafio será divulgada na 2ª feira seguinte, aquando do lançamento de um novo desafio e assim sucessivamente. Os resultados finais (para cada categoria) só serão divulgados no fim do concurso, ou seja, após os vários desafios previstos, que poderão prolongar-se pelos três períodos, se a adesão assim o justificar.
Os professores. que queiram participar, poderão fazê-lo na sala de professores; os alunos, na biblioteca; os funcionários administrativos, na secretaria e os assistentes operacionais, na sala dos funcionários.
Em cada um desses locais serão colocados os desafios da semana, que deverão colocar dentro de uma caixa que aí ficará para esse efeito.
Desafiem-se a si próprios, participando!!!



O RECREIO

 Na minha Alma há um balouço
 Que está sempre a balouçar ---
 Balouço à beira dum poço,
 Bem difícil de montar...

 E um menino de bibe
 Sobre ele sempre a brincar...

 Se a corda se parte um dia
 (E já vai estando esgarçada),
 Era uma vez a folia:
 Morre a criança afogada...

--- Cá por mim não mudo a corda,
 Seria grande estopada...

 Se o indez morre, deixá-lo...
 Mais vale morrer de bibe
 Que de casaca... Deixá-lo
 Balouçar-se enquanto vive...

--- Mudar a corda era fácil...
 Tal ideia nunca tive...

Mário de Sá-Carneiro, Poesias, Verbo, 2009

domingo, 10 de novembro de 2013


O QUE PENSA JOSÉ LUÍS PEIXOTO…


Impossível é não Viver

Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.
 Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.
 Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.
 O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.
 Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.


José Luís Peixoto, in 'Abraço'