As bibliotecas são como aeroportos.
São lugares de viagem. Entramos numa biblioteca como quem está a ponto de
partir. E nada é pequeno quando tem uma biblioteca. O mundo inteiro pode ser
convocado à força dos seus livros.
Todas as coisas do mundo podem ser
chamadas a comparecer à força das palavras, para existirem diante de nós como
matéria da imaginação. As bibliotecas são do tamanho do infinito e sabem toda a
maravilha.
Os livros são família direta dos
aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das
nuvens e, como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairam, como se
entrassem para dentro do próprio ar, a ver o que existe dentro do ar que não se
vê.
O leitor entra com o livro para
dentro do ar que não se vê.
Com um pequeno sopro, o leitor muda
para o outro lado do mundo ou para outro mundo, do avesso da realidade até ao
avesso do tempo. Fora de tudo, fora da biblioteca. As bibliotecas não se
importam que os leitores se sintam fora das bibliotecas.
Os livros são toupeiras, são minhocas,
eles são troncos caídos, maduros de uma longevidade inteira, os livros escutam
e falam ininterruptamente. São estações do ano, dos anos todos, desde o
princípio do mundo e já do fim do mundo. Os livros esticam e tapam furos na
cabeça. Eles sabem chover e fazer escuro, casam filhos e coram, choram,
imaginam que mais tarde voltam ao início, a serem como crianças. Os livros têm
crianças ao dependuro e giram como carrosséis para as ouvir rir. Os livros têm
olhos para todos os lados e bisbilhotam o cima e baixo, o esquerda e direita de
cada coisa ou coisa nenhuma. Nem pestanejam de tanta curiosidade. Querem ver e
contar. Os livros é que contam.
(…)
As bibliotecas - Valter
Hugo Mãe (Jornal de Letras, 15 a 28 de maio)
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