quarta-feira, 22 de janeiro de 2014


RETRATO DO POETA QUANDO JOVEM

 Há na memória um rio onde navegam
 Os barcos da infância, em arcadas
 De ramos inquietos que despregam
 Sobre as águas as folhas recurvadas.

 Há um bater de remos compassado
 No silêncio da lisa madrugada,
 Ondas brancas se afastam para o lado
 Com o rumor da seda amarrotada.

 Há um nascer do sol no sítio exato,
 À hora que mais conta duma vida,
 Um acordar dos olhos e do tato,
 Um ansiar de sede inextinguida.

 Há um retrato de água e de quebranto
 Que do fundo rompeu desta memória,
 E tudo quanto é rio abre no canto
 Que conta do retrato a velha história.

José Saramago


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